Saturday, December 28, 2013

Voltar 1

A ansiedade animada face ao regresso, sentida nos dias precedentes, foi rapidamente transformada em vertigem antitética, a partir do momento em que os pés cansados tocaram o chão do aeroporto. Porque, no fundo, não tocaram.

"Ele tinha regressado porque quisera estar de novo no sítio que conhecia. Onde não precisava de falar Português, ou Francês, ou Inglês. Porque é que a carta de Kägi fizera com que, de repente, essa intenção, a mais evidente de todas as intenções, parecesse difícil? Porque é que para ele agora ainda era mais importante do que há pouco, no comboio, que fosse noite quando descesse até à Bubenbergplatz?
Quando, decorrida uma hora, chegou à Praça, teve a sensação de já não a poder tocar. Sim, a palavra era mesmo essa, apesar de soar estranha: ele já não podia tocar na Bubenbergplatz. Já tinha dado três voltas à praça, esperara em frente aos semáforos e olhara em todas as direcções: para o cinema, para o correio, para o monumento, para a livraria espanhola onde encontrara o livro de Prado; em frente, para a paragem do eléctrico, para a igreja do Espírito Santo e para o edifício dos armazéns LOEB. Tinha-se posto de lado, fechado os olhos e concentrado na pressão que o seu corpo pesado exercia sobre o pavimento. As solas dos pés tinham ficado quentes, a rua parecia vir ao seu encontro, mas a impressão perdurara: já não conseguia tocar na praça. E não era apenas a rua, no fundo toda a praça, com aquela intimidade que se desenvolvera ao longo de décadas, que crescera ao seu encontro - também as ruas e os edifícios e as luzes e os ruídos não conseguiam alcançá-lo completamente, não logravam transpor o derradeiro e finíssimo hiato para chegarem inteiramente até ele e se manifestarem como uma recordação que ele não só conhecia, e conhecia de uma forma excelente, mas como algo que ele próprio era, tal como antes sempre tinha sido, de um modo que só agora, ao fracassar, se lhe tornara consciente.
O persistente e inexplicável hiato não o protegia, não era como um amortecedor que tivesse podido significar distâncida e serenidade. Pelo contrário, ele fez com que o pânico crescesse dentro dele, o medo de que, juntamente com todas aquelas coisas conhecidas que ele quisera convocar à sua volta, também ele próprio se perdesse e experimentasse aqui o mesmo que experimentara na madrugada de Lisboa, só que desta vez de uma forma bem mais insidiosa e muito, mas mesmo muito mais alarmante e perigosa, porque enquanto por detrás de Lisboa existira sempre Berna, por detrás da Berna perdida não havia nenhuma outra."

Comboio Nocturno para Lisboa - Pascal Mercier


O reencontro inicial com os pais foi pautado por uma estranha forma de alegria almofadada; os abraços, as palavras, os sorrisos, tudo parecia decorrer em câmara lenta, uma espécie de filme cujo som e imagem se encontravam dissociados, como se de uma videochamada de longa distância e má qualidade se tratasse. O senhor engenheiro salva a situação, mas a distância é inegável.
O quarto, arrumadíssimo. Um brinquinho. A mesinha de cabeceira, o puff, o criado-mudo: imaculados. Nenhuma peça de roupa, nenhum talão de supermercado, nenhum botão perdido, nenhuma caneta sem tampa, nenhum livro ou CD aberto. Nada.
Segue-se um dia entre o sofá e a cama, entre a televisão e o computador, apatia generalizada, uma perplexidade imensa face à casa que sempre fora a minha, mas que naquele momento não me pertencia nem um bocadinho.
Depois pensa-se um bocado, apercebemo-nos da irracionalidade da questão e combatemo-la com mais irracionalidade: desarrumei o quarto todo. E resultou, ou, pelo menos, ajudou. Responde-se às mensagens de texto das últimas 48 horas e lá se arranjam forças para vestir uma farpela qualquer, pegar na carteira e sair.
O regresso à faculdade. Oh diacho. Bela merda. Sensação esquisita. Mas eles estão cá. E as saudades que eu tinha deles vêm rapidamente ao de cima - os abraços, as palavras, os sorrisos já são ao vivo e em directo. Ainda persiste um remoinho estranho nas entranhas, mas a felicidade é inegável.
A progenitora começa a conseguir articular mais algumas palavras, além de "Estás aqui. Estás mesmo aqui.", visitam-se os avós, incorre-se em bebedeiras agressivas nos locais do costume com os suspeitos do costume, encontram-se as amigas de infância, a normalidade regressa.

Visto isto, face a um lusco fusco de 10, 12 dias, quero ver em Fevereiro, ai quero, quero.

Agora é para queimar os últimos cartuchos. Ai tem que ser.


Thursday, October 31, 2013

Voltar

"(...) E não é só no tempo que nos ampliamos. Também no espaço nos projectamos para bem mais longe do que é visível. Quando abandonamos um sítio deixamos lá algo de nós próprios, permanecemos lá, apesar de partirmos. E há coisas em nós que só podemos recuperar se lá regressarmos. Aproximamo-nos portanto de nós, viajamos para dentro de nós próprios quando o matraquear monótono das rodas nos transporta em direcção a um sítio por onde percorremos uma etapa da nossa vida, por mais breve que esta tenha sido. Assim que colocamos pela segunda vez o pé na gare da estação estranha, ouvimos as vozes dos altifalantes, cheiramos os cheiros inconfundíveis, não chegamos apenas a um qualquer destino distante, mas atingimos a distância da própria interioridade, talvez num remoto canto do nosso eu, que quando estamos num outro sítio permanece oculto e completamente entregue à invisibilidade. Se não for por isso, porque será que ficamos tão excitados, tão fora de nós quando o revisor anuncia o nome do local, quando ouvimos o chiar dos travões e somos engolidos pela súbita sombra da entrada da Estação? Se não for por isso, por que razão é que o momento em que o comboio se imobiliza definitivamente, após um derradeiro solavanco, se transforma num momento mágico, num instante de silencioso dramatismo? Se isso acontece, é porque a partir do primeiro passo que damos na gare estranha - mas no fundo não tão estranha - retomamos o contacto com um vida que interrompemos e abandonámos quando, na altura, sentimos o primeiro solavanco do comboio a partir. Haverá algo mais excitante do que recuperar uma vida interrompida com todas as suas promessas?"

Comboio Nocturno para Lisboa - Pascal Mercier



Sempre adorei viajar, sempre adorei a prespectiva de viver num local diferente, mesmo desde pequena, ainda que não tivesse qualquer noção do que tal implicava.
Até cerca dos três anos de idade vi apenas o meu pai três vezes por ano - Natal, Páscoa e férias de Verão - porque ele fez o seu Doutoramento em Bath, Reino Unido, nesse período, e penso que desde então vivo fascinada com a experiência de viver longe da terra Natal e com toda a promessa de vivência única e enriquecedora.
Qualquer oportunidade de conhecer uma cidade diferente, incluindo as escapadelas de fim-de-semana e as férias de verão com os pais, era sinónimo de alegria e excitação; não havia criança mais entusiasmada com a tarefa de planear um roteiro turístico. Por mais recôndito que fosse o local em causa, eu descobria um museu, um parque, um castelo, um facto histórico interessante, qualquer coisa que tornava a visita aquela vila ou aldeia essencial! Vi grande parte do nosso país ainda como uma miúda ávida de qualquer forma cultural que a aldeia mais remota do Alentejo pudesse oferecer.
Aos treze anos fiz a minha primeira grande viagem "a solo", acompanhada por colegas e professores, obviamente. Fui a Bruxelas, Bruges, Berna, Luxemburgo, Estrasburgo e Maastricht, e acho que foi durante essa semana que surgiu uma espécie de consciência das implicações do viajar, das implicações da distância. A preocupação dos pais, a gastronomia diferente, o dinheiro envolvido... Viajar tornou-se assim uma experiência associada a custos, a saudade e indissociável do Voltar.
 O regresso. É uma peça importante. Ter por que voltar, ter algo que nos prenda, que nos faça falta na cidade a que chamamos casa. De outro modo, este local deixará rapidamente de ser a nossa casa, sem que o outro local que nos encontamos a visitar assuma esse papel, pelo menos não no mesmo período de tempo. Não seremos mais do que um sem-abrigo à deriva.

Hoje, há quase dois meses afastada da minha terra Natal, sem a melancolia do Douro e das suas pontes iluminadas pelo luar, sei melhor do que nunca que o Porto é a minha casa. Não só pela Ribeira, pelos Jardins do Palácio, ou pela rua de Santa Catarina num Domingo outonal, mas principalmente pelas tradições, pelas pessoas. Pelos autocarros apinhados de gente que fala bem alto, pelo vinho bom e barato em qualquer supermercado, pela facilidade com que o empregado do café do costume partilha a sua vida.
E, claro, é a terra onde estão os meus. A minha mãe e o seu nervosismo, o meu pai e as suas gargalhadas, os meus amigos que não me acompanharam nesta experiência...
Para mim, a prespectiva de um abraço apertado de cada um no dia do regresso, devidamente acompanhado por uma refeição de bacalhau regada por um Cartuxa branco, torna este período muito mais divertido e, confesso, irresponsável. Porque no fim há uma vida interrompida para recuperar.



"(...)Porque é que lamentamos as pessoas que não podem viajar? Porque ao não poderem expandir-se exteriormente também não conseguem ampliar-se interiormente; ao não poderem multiplicar-se, vêem-se também privadas de empreender alargadas digressões para dentro de si próprias e de descobrir quem ou o que poderiam também ter sido."

Comboio Nocturno para Lisboa - Pascal Mercier

Sunday, October 06, 2013

"Lealdade por"

"O'Kelly começou a beber cada vez mais depressa e a boca deixou de lhe obedecer. Levantou-se a custo e saiu da sala com passos vacilantes. Passado algum tempo, regressou com uma folha de papel.
- Isto aqui escrevemos os dois juntos. Em Coimbra, quando parecia que o mundo nos pertencia.
Era uma lista, e em cima estava escrito: LEALDADE POR. Em baixo, Prado e O'Kelly tinham apontado todos os motivos pelos quais a lealdade podia desenvolver-se.

Culpa em relação a alguém; etapas de uma evolução em comum; sofrimento partilhado; alegria partilhada; solidariedade dos mortais; comunhão de convicções; luta comum contra o exterior; forças e fraquezas comuns; mútua necessidade de proximidade; semelhança de gostos; ódio comum; segredos partilhados; fantasias e sonhos partilhados; entusiasmo partilhado; humor partilhado; heróis partilhados; decisões tomadas em comum; sucessos, insucessos, vitórias e derrotas comuns; decepções partilhadas; erros comuns.

Reparara que na lista faltava o amor, disse Gregorious. O corpo de O'Kelly contraiu-se, e por um instante, pareceu recuperar a lucidez.
- Não era algo em que ele acreditasse. Até evitava a palavra. Achava que era kitsch. Costumava dizer que havia três coisas, e apenas essas três: o desejo, o agrado e a segurança. E todas eram efémeras. A mais fugaz era o desejo, depois vinha o agrado, e infelizmente acontecia também que a segurança, a sensação de se sentir protegido junto de alguém, também acabava por se desmoronar. As exigências da vida, todas as coisas com que temos que nos confrontar e ultrapassar acabam sempre por ser demasiadas e demasiado poderosas para que os nossos sentimentos consigam sair incólumes desses confrontos. Era por isso que a lealdade se tornava tão vital. Para ele não se tratava de um sentimento, mas de uma manifestação da vontade, de uma decisão, de uma opção da alma. algo capaz de transformar a imprevisibilidade dos encontros e a casualidade dos sentimentos numa necessidade. Um sopro de eternidade, dizia, apenas um sopro, mas ainda assim um sopro.
Mas enganou-se. Aliás, ambos nos enganámos."

Pascal Mercier
Comboio Nocturno para Lisboa

Thursday, September 05, 2013

Pepe's on the move...

...e é uma pena que tudo o que ocupa a minha mente seja, precisamente, o que fica.

Saturday, August 17, 2013

Palavras

Gregorius nunca mais iria esquecer essa cena. Eram as suas primeiras palavras portuguesas no mundo real e tinham causado efeito. O facto de as palavras desencadearem algo nos outros, de poderem pôr alguém em movimento ou de travar esse impulso, de fazerem com que uma pessoa pudesse rir ou chorar, sempre lhe parecera estranho. Desde criança. E no fundo isso nunca deixara de o impressionar. Como é que elas conseguiam isso? Não era como a magia? Mas nesse momento o mistério parecia-lhe ainda maior do que habitualmente, pois tratava-se de palavras das quais ele na manhã do dia anterior ainda não fazia a mínima ideia. Quando pôs o pé na plataforma da gare de Irún todo o seu medo tinha desaparecido, e caminhou com passos seguros em direcção à carruagem-cama.

Pascal Mercier, Comboio Nocturno para Lisboa

O poder da palavra, as consequências de cada frase proferida, de cada conversa que compõe o percurso ininterrupto de cada conjunto de seres humanos, interligados para sempre, por sílabas, ditongos, expressões e interpretações, mais ou menos conseguidas.
O receio de dizer de mais, de não dizer exactamente o que se quer, de ser mal compreendido, dos significados distorcidos... O ainda maior receio de dizer precisamente o que se quer e de ser prefeitamente compreendido. No fundo, o medo de te perder, por ter coragem de chover.

Thursday, July 04, 2013

O penúltimo. Aquele com sabor a mel e cheiro a fel.

A sensação de bela-merda-não-tarda-nada-isto-acaba-e-há-tanto-que-eu-ainda-quero-fazer fez deste ano uma roda-viva de ocupações.

Entre os ensaios da Tuna Feminina de Biomédicas e respectivas actuações, a organização do VI ICTUNAS no belo horrível papel de RP&Publicidade, e a recepção de uma geração de póneis extremamente ávida de conhecimento, foi decorrendo um dos anos mais dramático-produtivos de sempre. Sim, este ano chorei pela tuna, mas também nunca a tinha visto crescer tanto, assumindo um rumo tão positivo. Agora que praticamente chegou ao fim, não apenas o ano, mas o meu papel activo na TFB, é com muito carinho que posso dizer que sim, que a Tuna mudou, na minha opinião para melhor, graças a uma geração de ressabiadas com estrogénios elevadíssimos que aprenderam a trabalhar para um bem comum. Fiz, realmente, o melhor que pude e creio que deixei qualquer coisa de positivo, qualquer coisa que vale a pena recordar, na história da quase "decadária" TFB. É com uma enorme confiança nas gerações futuras e, obviamente, nas poucas que ficam já rançosas como eu, que entrego os meus cargos e deixo a nossa TFB, com a esperança de voltar em Fevereiro só para chatear e descansar do calhamaço!

Por outro lado, pareceu-me imperativo dançar muito, mesmo muito, antes de entrar na saga Harrison e posteriormente no mercado laboral... Assim, além de continuar a praticar Jazz Dance, dei aulas de dança em parceria com a AEICBAS, e cumpri duas grandes apostas que tinha feito para este ano lectivo: o "Sinto... Mulher", uma coreografia de contemporâneo na qual trabalhei desde Fevereiro com a minha, agora amiga, professora de Jazz Dance, Ewelina. Estreamos a peça, maioritariamente coreografada por ela, numa Mostra de Jovens Criadores, no ciclo de dança contemporânea Palcos Instáveis, na Sala Estúdio do Teatro do Campo Alegre. Aquela sensação de estar em palco durante o blackout... O friozinho na barriga... Não podia pedir mais nada.
Mas tive. Tive um bando de amigos babados a demonstrarem, mais uma vez, o seu apoio incondicional, em plena época de exames. Esse carinho, essa presença, é para lá de muito boa e vai muito além do que se pode pedir e agradecer com simples palavras. É a expressão da amizade.
Finalmente, o outro grande desafio, que no fundo motivou a presente análise deste 2012/2013, e ao qual faço "check" neste dia, foi a participação no Projecto Pirueta da VO.U. Em Abril quando entrei "no 20", juntamente com a minha companheira de jornada, estava bem assustada, a faixa etária era terrível, dos 10 aos 13 anos, tudo misturado, a vontade de fazer ballet era nula: "queremos brasileiradas", "temos que dançar one direction", o sotaque nortenho carregado, os berros, as birras. Eu, Penélope Almeida, com todo o meu jeito para crianças, achei que ia falecer!
E as aulas foram passando...e surgiram cedências de parte a parte, músicas diferentes, técnicas diferentes que foram aparecendo, oriundas de alguma capacidade pedagógica, possivelmente herdada, a qual desconhecia inteiramente.
As "birrentas" foram acalmando, as tímidas ganharam confiança, a preguiçosa mor e anti-social, acabou por se mexer e por distribuir beijinhos...desvendaram-se talentos. E hoje, quando cheguei a casa, estafadíssima, de saco de gomas oferecido pela canalha em riste, só conseguia pensar nas saudades que vou ter daquelas miúdas e o quão bem elas se portaram na festinha de final de ano... O quão elas evoluiram! 1-2-3-4-5-6-7-8, repetidos até à exaustão, cada vez mais baixinho... Até que perderam a necessidade. O agradecimento dos pais, o sentir que mudaste alguma coisa, quase sem dar conta, que cumpriste o objectivo... "A X quando vem do Piruetas vem muito mais motivada, mesmo para os trabalhos do apoio de matemática."; "Ela desde pequenina que diz que quer ser médica, é tão bom ela ter estes reforços positivos". Pah, sou um coração mole, mas isto é bom de ouvir, com'ó raio!
(Um inevitável apontamento: um enorme obrigada à "menina Bábá" por ser a minha companheira de luta nesta experiência para lá de espectacular.)

Ah, e sim, fui fazendo o 5º ano de Medicina entretanto, e sim, correu tudo bem! Ainda que o Bloco Médico do 5º ano consista no conjunto de cadeiras mais desmotivantes de sempre... Ao menos, Cardiologia, Imunologia e Infecciologia foram dando o alento necessário! E, quanto ao Bloco Cirúrgico, obviamente, you got to love Cirurgia II!

O "pessoal original" (começo a achar que parecemos as minhas miúdas de 10-13 anos quando utilizamos esta expressão) teve dos anos mais turbulentos, mas manteve-se impecavelmente. Saímos p'ra c*ralh*, cantamos muito, bebemos a nossa conta e mais um bocadinho, rimo-nos muito de muitas parvoíces que fomos fazendo nas alturas mais estúpidas que consigam imaginar. Demos carinho a arbustos, trouxemos um bocadinho de Coimbra ao Porto, lavamos o cabelo com cerveja, sujamos as calças com tinta do carro de Fitados, falamos de política e de religião às 6h da manhã, ouvimos o Colesterol de Amor, o Já Lavei os Dentes, a Chaleira, o Blame it on the Boggie, sujamos a cozinha com sangria. Fizemos trinta por uma linha, não necessariamente pela ordem supracitada. Somos umas pitas nostálgicas quando ébrios, mas não seríamos os mesmos se assim não fosse.

E é isto, por mais merda emocional que me vá caíndo em cima, até ao momento, consegui vingar os meus objectivos. Estar ocupada acaba por ser uma espécie de defesa, porque simplesmente acabo por não ter tempos mortos, de sofá ou de televisão, por estar sempre a tratar de alguma coisa para alguma aula de dança, para algum ensaio, para alguma música, para alguma cadeira... E resultou bem, porque olho para este ano e só penso "p*ta que pariu, és um espectáculo miúda!" em vez de pensar no que se passou de mau, e isso é bestial, é tudo o que uma pessoa pode almejar.

Agora seguem-se umas férias bem merecidas e a partida para os 5 meses mais aguardados dos últimos tempos, Olomouc e a sua cerveja a preço de chuva esperam-me e não podia pedir melhor companhia.
A vida é uma cena boa, só não nos podemos esquecer disso.

(perdoem-me o tom coloquial e a ausência de recursos estilísticos, mas isto hoje era mesmo pr'ó desabafo!)

Monday, June 03, 2013

10 - Parte 2

Vamos agora ao cerne da questão:

Não és tu. És tu, mas não és tu. É o que representas. Aquilo que nunca vou ter, que simplesmente não me está destinado. Alguém tão especial, tão culto, tão parvo, tão perfeitamente imperfeito, tão difícil, tão boa pessoa, - de tal modo, que nos faz olhar para dentro, em busca do local recôndito onde andará essa bondade perdida - tão bonito, tão tu, tão longe do que eu mereço.

E é isso que dói, como um punhal que rasga e gira sobre si mesmo, esfarrapando o centro do corpo medíocre do eu-real. Essa consciência plena e maquiavélica de que nada nem ninguém ASSIM irá surgir, porque simplesmente não sou especial, culta, parva, perfeitamente imperfeita, ... que chegue.

A tirania da auto-percepção abate-se sobre mim de tal modo que sufoco. Esvoaça em torno do que sou, feita fantasma nado-morto do que queria ser.
Tantos planos, desejos, ideais por cumprir, tão aquém dos objectivos que fui traçando. Tão perdida, tão errónea. Gretel dos maus caminhos, deixo para trás estilhaços de vidas que piorei.
A tua, inclusivé - novo sufoco. Odeio não conseguir ser o porto de abrigo que precisas, mas apenas mais uma tempestade vinda inesperadamente do Sul. De onde havia de vir bonança, vem disfuncionalidade.
Nem a ti, amigo que tanto estimo e que tanto queria proteger, me foi possível deixar do lado de fora das malhas do drama e da luxúria que teço e desfaço.

Desculpa, desculpa, desculpa, por nem contigo me portar à altura.

Wednesday, May 29, 2013

Our hearts are a mess

"Pick apart
The pieces of your heart
And let me peer inside
Let me in
Where only your thoughts have been
Let me occupy your mind
As you do mine


Your heart's a mess
You won't admit to it
It makes no sense
But I'm desperate to connect
And you, you can't live like this


You have lost
(Too much love)
To fear, doubt and distrust
(It's not enough)
You just threw away the key
To your heart
"

Estou a tentar.

Wednesday, May 01, 2013

10

Estou a preparar-me psicologicamente para escrever sobre os últimos tempos, mas como a auto-análise que tal implica é bastante dura, está a demorar de caraças.

Hum.

Espero que esta espécie de promessa me pressione...

Monday, March 25, 2013

Chico e a sua actualidade...



"Muito bem, Jazão. Você é... poeta, perigoso, porque de repente está dando as palavras a intenção que interessa a você. Só que essa ansiedade, que você diz, não é coisa minha não. É do infeliz do teu povo, ele sim que anda aos prantos pendurado na quina dos barrancos. Seu povo que é urgente, força cega, coração aos pulos, pois carrega um vulcão amarrado pelo umbigo, ele então não tem tempo, nem amigo, e nem futuro, que uma simples piada pode dar em risada ou punhalada, como uma mesma garrafa de cachaça acaba em carnaval ou em desgraça. É seu povo que vive de repente porque não sabe o que vem pela frente então ele costura fantasia, sai fazendo fé na loteria, se apinhando, se esguelando no estádio, bebendo do gargalo, pondo no rádio sua própria tragédia a todo volume, morrendo por amor e por ciúme, matando por um maço de cigarro, e se atirando debaixo do carro. Se você não aguenta essa barra tem mais é que se mandar, se agarra na barra do manto do poderoso crionte e fica lá em pleno gozo de sossego, dinheiro, e posição com aquela mulherzinha.
Mas Jazão, já lhe digo o que vai acontecer, tem uma coisa que você vai perder que é a ligação que você tem com a sua gente, o cheiro dela, o cheiro da rua. Você pode dar banquete Jazão, mas samba é que você não faz mais não, não faz... e é ai é que você se atocha, porque vai tentar, e sai samba ruim.
Essa é a minha maldição, gota d’água nunca mais seu Jazão! Samba? Aqui oh... Nunca ! Você não engana ninguém, nunca!! Gota d’água?! NUNCA MAIS!
Vai! Vai ! Vai atrás dela vai ! Corre, não é essa a sua grande ambição? Depressa! Bebe, come, lambe, goza...  Mas, se quem faz justiça nesse mundo me escutar, esse casamento imundo não vai haver não, por falta de esposa."

Saturday, March 23, 2013

Laços

Não me assusta a chuva. Os trovões. As poças de água. A distância. Os bloqueios fermentados do ontem. Não me assusta o teu medo. O teu receio. Não me assusta o tempo que possa demorar até sentir o abraço em pleno. A divisão do beijo. A reminiscência do teu corpo no encontro do meu. A inquietação da incerteza que paira por nós. Porque eu sinto. Eu divago. Eu quero. E por querer persisto e procuro. Avanço com os olhos abertos. Mesmo que por momentos, pare. Olhe novamente. E dê o passo. Mesmo que nos limites do que sou, exista a impaciência. O querer já. O querer agora. O querer tudo. Mas neste caminho eu aguardo. Por acreditar. Que é possível. Que nada nos impossibilita de lá chegar. E continuo. Sem medo do estilhaço. Sem medo do que possa acontecer.
Cláudia Saraiva de Freitas, 2009.
 
 
Há coisas que vão permanecendo intactas, apesar da distância e do tempo. Uma delas somos nós, prima. Estados de espírito em sintonia. 
É o karma.

Sunday, February 17, 2013

NS/NR

Dou por mim a procurar um poema, uma música, uma coreografia, alguma coisa que defina o modo como me sinto. 

Pergunto a Sá Carneiro, vasculho a gaveta de Álvaro de Campos, recorro à minha querida Inês Pedrosa... O Damien Rice dá uma ajuda, o Rui Veloso idem, o B Fachada acerta em parte e os Ornatos... esses já estão fartos de mim! O Chico entende e diz-me que siga em frente, pede uma mãozinha à Elis e comove-me até aos ossos...

A questão é que não sei bem o que procuro. Não percebo a trapalhada que vai dentro de mim. Não percebo onde foi que me enganei tanto no percurso da minha vida.

"(...) Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incómodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida, (...)"


Não sei o que fazer, nem como corrigir, pelo menos em parte, os tais erros que não sei bem quais são, nem se são passíveis de correcção.

Desconstruo este pesar em diferentes peças. E as peças não encaixam. Sentimentos incompatíveis, atitudes que me movem em direcções diferentes, fundamentos inconciliáveis. Não me entendo.

Ora:
"It's the wrong time
For somebody new 
It's a small crime
And I got no excuse"
e
"Ela dá-lhe a mão e dá-lhe um pouco do coração
Ele faz de tudo para compreender
Depois de tudo para lhe agradecer

E se a conversa os põe em perigo
ele ri-se muito e gaguejante
Diz-lhe "É bom ser teu amigo
mas igualmente bom ser teu amante"


Ora:
 "Foi como entrar
Foi como arder
Para ti nem foi viver
Foi mudar o mundo
Sem pensar em mim
Mas o tempo até passou
E és o que ele me ensinou
Uma chaga pra lembrar que há um fim"


F*da-se para isto. Merda de personalidade, alma, cérebro, coração, sei lá que lhe(s) chame.
Tudo o que sei é que

"Deep in the night... particularmente a 13 de Maio, depois de termos comido arroz e grelos, a sobremesa foi Nestum. O tempo estava húmido lá, na boobslândia"

e chega, tem que chegar.

Sunday, February 10, 2013

The Wonderful Wizard of Oz

Um ano. Um ano de caos que, creio, finalmente terminou.
Relações edificadas, amizades construídas, chamas acesas, alma e pele queimadas... Tudo baralhado numa enorme confusão. Alicerces abanados, alguns destes corrompidos, pela raiva, pelo drama, pela monção de lágrimas partilhadas que encheram as ruas.

E de repente, tudo pára. Olho em redor e reina uma sensação de aparvalhamento generalizado, uma quietude inquietante, tudo em pausa e todos com medo de erguer a cabeça, na possibilidade da tempestade ainda não ter cessado por completo.
Há que recomeçar, há que reconstruir e há que louvar as pequenas casas que continuam de pé. Esses pequenos templos nos quais nos pudemos refugiar de tamanha intempérie emocional.

Findo o tornado, sigamos, lado a lado, pela nossa própria Yellow Brick Road.


Thursday, January 17, 2013

e isto.

Hoje o Dr Júlio Machado Vaz partilhou o seguinte nA Rede Social:

EPITÁFIO
Cada sorriso teu agora só desperta
este remorso vil que a minha vida tem:

- A tua alma estava à minha espera, aberta…
Repousei no teu corpo e não fui mais além.

David Mourão-Ferreira.
Obrigada professor, mesmo à distância e sem me conhecer consegue ser meu psiquiatra!

Sunday, January 13, 2013

Thursday, January 03, 2013

Expiação

Há uns tempos disse-se cá por casa que o único problema realmente irresolúvel é a Morte, tudo o resto se combate, tudo o resto se contorna, tudo resto se resolve. Verdade. Mas, perdoem-me o devaneio, não existirão várias mortes? Várias porções de um mesmo Ser que vão definhando conforme o que a vida lhe apresenta ou retira. Pois eu creio que ontem uma porção do meu Ser morreu. Bateu a bota. Caput! Não tenho bem, bem a certeza, pois ainda estou meio aparvalhada neste luto estranho de mim mesma.
Sem dúvida que parte de mim se afogou, imergindo numa sensação de asfixia inesperada, a qual me fez recordar vivências vagas de um passado já não muito recente. No entanto, não houve qualquer tentativa de regressar à tona, adormeci. Deixei-me ir. E eu não sou mulher de desistências...

Diz a sabedoria popular portuguesa que "Cá se fazem cá se pagam". Pois, meus amigos, paguei-as. E custou-me caro. A pena está finalmente cumprida.

Analisando a situação e a minha atípica atitude, induzo que talvez a necessidade de expiação, eminente na minha vida nestes últimos tempos, tenha imperado, levando a que o pedaço de mim que se encontrava em apuros não tenha tido capacidade de lutar, deixando-me, parcialmente, morrer.

Permanecem incertezas, mas, de qualquer modo, descansa em paz, quiçá para sempre, Inocência.