Saturday, August 29, 2009

"Se eu largar eu sinto a sua falta
Se eu agarro ela perde a cor"


Borboleta - Foge foge bandido


As borboletas irritam-me. Esvoaçam feitas parvas ao comando do seu cérebro raquítico sem saberem o quão invejadas são por poderem voar, e ainda por cima de uma maneira tão descontraída, tão leve (ou pesada), sem regra e sem destino... Não reparam sequer na enorme devoção e contemplação dos seus admiradores, sempre atentos às suas cores, à sua delicadeza, ansiando por uma suposta serenidade que lhes fora prometida.
Os únicos insectos vistos com agrado e frequência nos contos de fadas - outra coisa que me irrita solenemente - são tão bonitos e tão frágeis como as próprias princesas acéfalas que ficam cegas de amor com um simples olhar e que esquecem qualquer mágoa graças ao príncipe encantado... Graças a um homem! Poupem-me...
A fragilidade perturba-me. Não se pode soprar, não se pode tocar na borboleta. Mas também não se pode deixar a pobre solta, sujeita a todas as intempéries, além de que o observador egoísta quer toda a delicadeza, toda a leveza, toda a beleza...só para ele. O problema é que ao prende-la e posteriormente submete-la a uma análise exaustiva, à lente da lupa, se vê que na realidade o tal ser encantador não passa de um insecto nojento. Aquele bicho parado e aumentado deixa de ser uma borboleta.

O bicho só é borboleta quando livre.
Deixa de o ser no momento em que a beijamos. No momento em que a desejamos. No momento em que a tentamos guardar.

Assim sendo: não se pode amar a borboleta.



Cortem-me as asas.

Tuesday, August 18, 2009

Co-sentimento

"Em todas as línguas derivadas do latim, a palavra compaixão forma-se com o prefixo «com» e a raiz «passio» que, na sua origem, significa sofrimento. Noutras línguas, como, por exemplo, em checo, em polaco, em alemão, em sueco, a palavra traduz-se por um substantivo formado por um prefixo equivalente seguido da palavra «sentimento» (em checo: sou-cit; em polaco: wspol-czucie; em alemão: mit-gefuhl; em sueco: med-kansla).
Nas línguas derivadas do latim, a palavra compaixão significa que ninguém pode ficar indiferente ao sofrimento de outrem; ou, de outra maneira: sente-se sempre simpatia por quem sofre. Outra palavra que tem mais ou menos o mesmo sentido, e que é piedade (em inglês pity, em italiano pietà, etc.), chega até a sugerir uma espécie de indulgência para com o ser que sofre. Ter piedade de uma mulher é sermos mais favorecidos do que ela, é inclinarmo-nos, baixarmo-nos até ela.
Por isso é que a palavra compaixão inspira geralmente uma certa desconfiança; designa um sentimento considerado como de segunda ordem e que não tem grande coisa a ver com o amor. Amar alguém por compaixão é de facto não amar essa pessoa.
Nas línguas em que a palavra compaixão não se forma com a raiz «passio = sofrimento» mas com o substantivo «sentimento», a palavra é empregue mais ou menos no mesmo sentido, mas dificilmente se pode dizer que designa um sentimento mau ou medíocre. A força secreta da sua etimologia banha a palavra de uma outra luz e dá-lhe um sentido mais lato: ter compaixão (co-sentimento) é poder viver com o outro não só a sua infelicidade mas sentir também todos os seus outros sentimentos: alegria, angústia, felicidade, dor. Esta compaixão (no sentido de soucit, wspolczucie, mitgefuhl, medkansla) designa, portanto, a mais alta capacidade de imaginação afectiva, ou seja, a arte da telepatia das emoções. Na hierarquia dos sentimentos, é o sentimento supremo."

Milan Kundera in A insustentável leveza do ser



Grande fardo esta compaixão checa, tão pouco latina.
Grande peso, responsabilidade, nervoso miúdo...amiúde graúdo.
Grande experiência.
Grande vivência.
Grande a vida de quem a sente.

Guardem esse sentimento dilacerante. Mantenham-no. Riam-no e sofram-no. Alimentem-no com carinho e lágrimas.
Sobreponham Kundera a Ricardo Reis.



Ámen

Friday, August 07, 2009

Ruidosamente tua.

"(...) Muitas pessoas falam sobre a sua personalidade em termos inequívocos e delimitadores: «eu sou muito assim ou assado». Eu sou franco; eu sou sincero; eu sou introvertido ou extrovertido. Não se calam com isto.
Já ouvi alguém dizer «eu sou a pessoa mais humilde do mundo», o que me coloca duas questões. A primeira é saber se uma pessoa verdadeiramente humilde poderia sequer descrever-se como humilde. A segunda questão invalida até, de certo modo, a primeira: é saber se alguém - qualquer pessoa - pode ser «verdadeiramente» humilde - ou outra coisa qualquer.
Verdadeiramente, a questão é saber se alguém pode ser «verdadeiramente» alguma coisa apenas.
(...)
Não há ninguém, julgo eu, que nunca tenha ouvido isto. «estou à procura daquilo que verdadeiramente quero». Esta frase toma como ponto de partida que existe algo que eu quero mas que ainda não sei o que é. Que esse algo pode - e deve - ser encontrado. E sugere que esse algo está numa localização precisa, um qualquer algures, provavelmente dentro de mim, e certamente à espera de ser encontrado.
Nunca partimos de outro princípio, que manifestamente é também possível: o de que não sabemos o que verdadeiramente queremos porque talvez não queiramos verdadeiramente algo; o de que se esse algo existisse já o saberíamos perfeitamente desde o começo; que procurar esse algo é talvez tão inútil como esperar que ele chegue por acaso até nós; que ao invés de existir esse algo dentro de nós existe antes uma multiplicidade deles fora de nós.
(...)
Defenderemos por vezes que fomos mais «nós» nuns momentos e que éramos outros e irreconhecíveis nos restantes. Se pudesse, eu diria que aquilo que somos é uma confederação de sentimentos.
Verdadeiramente, nem isso posso dizer.
"

Rui Tavares na Blitz [Agosto 2009]



Tu, sim tu, leste?
Era isto que te queria dizer. Sim, é verdade, só descobri agora, mas é mesmo isto.

Eu acredito que tu és mais do que o pequeno cabrãozinho que irrevogavelmente és; acredito que há mais dentro de ti. Eu não gostaria de ti se não fosses tão irremediavelmente incorrecto em algumas situações e tão surpreendentemente correcto noutros momentos e para com algumas pessoas em particular. Portanto, eu sei que és capaz de «fazer a coisa certa», (mesmo quando o que eu mais desejava era que fizesses a errada) e que o facto de muita gente te percepcionar como "un infidele" resulta, em grande parte, de o teres assumido como verdadeiro e incontornável há muito, demasiado, tempo. É essa a faceta que dás a conhecer ao grande público e que alegremente publicitas. Por isso dizes que contigo «não dá», que não és a pessoa indicada.
Odeio recorrer a clichés, mas neste caso particular julgo ser realmente aplicável a expressão ergueste um muro à tua volta visto que é mesmo isso que parece.
Não sei bem o que sentes, nem quem és, até porque grande parte do que sei sobre ti foi-me transmitido por terceiros. Mas, em simultâneo, parece-me que te conheço melhor do que qualquer um... Um olhar teu, muitas vezes basta-me para saber como te sentes; raro é ter conhecimento do porquê que despoletou determinado sentimento.

Eu entendo-te no silêncio.
Porém, necessito avidamente do ruído.
Sê a minha música.







Podes desafinar à vontade. Não tenhas medo.