Monday, February 06, 2012

Imutações

Os anos sucedem-se, os contextos alteram-se, traçamos um percurso, tantas vezes tortuoso, tantas vezes inesperado. As rotinas destroem-se e erguem-se novamente, num contínuo sem forma concreta, um quotidiano sempre em mutação, originando o que chamamos de vida, a nossa vida.

Houve tempos em que tive medo da mudança e, quando ela chegou, afundei-me com ela. Depois, só queria que ela voltasse, e ela, fiel, voltou, e eu então emergi.
Agora lido bastante bem com essa ora-menina-ora-mulher, recebo-a com agrado, ainda que nem sempre a compreenda e às suas motivações. Mas desta vez, desta particular vez, acolho-a ternamente, entendo-a por inteiro - tem um mote muito concreto e agreste: crescer.

Crescer envolve aceitar os nossos alicerces - incluindo antepassados, conjunturas e  traços de personalidade -, pois estes têm ampla participação na nossa definição, ainda que nem todos nos agradem particularmente. Também envolvida neste processo, a tolerância para com o próximo (e quiçá o próprio) aumenta gradualmente, até que um belo dia reparamos que face a uma determinada pessoa, acontecimento ou atitude, que previamente nos provocava repulsa ou impaciência, hoje sorrimos. Sorrimos porque já não interessa, porque compreendemos, porque os defeitos com o tempo se tornam características e estas, principalmente as mais típicas e invulgares, distinguem-nos, aproximam-nos, unem-nos.

E então, entre tantas mudanças mais ou menos notórias, eis que encontramos um certo conforto nas coisas que não mudam. Casas imutáveis, cujos móveis, quadros, bibelôs permanecem estagnados no tempo. Pode mesmo tratar-se de uma certa casa-de-banho, com um espelho redondo de moldura cor-de-rosa (que em tempos reflectiu o rosto de uma menina desdentada de totós, mas agora está demasiado baixo, e a mulher que o contempla tem que se inclinar para poder observar esse mesmo rosto), um secador de cabelo de cabo vermelho e corpo metálico, prateleiras brancas repletas de cremes, perfumes e batons.
Locais que a espiral dos dias não tocou, pequenos santuários que nos alertam, subitamente, para o quão nós mudamos face à sua imutabilidade.