Thursday, March 04, 2010

Um menino de dez anos morreu ontem esmagado por um ramo de grande porte que se quebrou numa tília centenária, defronte à igreja paroquial de Paredes. A criança estava a jogar à bola com mais dois colegas, à espera de entrar para a catequese.

José Vinha IN Jornal de Notícias, 28-02-2010



Há uns dias atrás, às 4 e pouco da manhã, levemente alcoolizada, entre lágrimas desnecessárias e exageradas, faminta, e a caminho do Tropical (quem inventou o Cheese Tropical merece um lugarzinho no céu), tive uma conversa com um Amigo, levemente alcoolizado, faminto, e com uma paciência enorme. Ainda que a tal conversa não esteja directamente relacionada com o assunto sobre o qual pretendo dissertar, fez-lhe umas festinhas, pelo que, quando ouvi a minha mãe comentar a situação sucintamente apresentada acima pelo parágrafo transcrito do JN, lembrei-me, de imediato, daquele dia, daquela conversa e, infelizmente, do contexto que a fomentou.

Sem mais rodeios, eu quero - e preciso de - falar sobre . Considerem-se desde já ambos os sentidos: não só o restrito à concepção religiosa, mas também um sentido mais lato: crer ou acreditar completamente em algo, em alguma coisa ou causa - ou pessoa -, positiva aos olhos do crente. Positiva, porque quando utilizamos o termo , mesmo que através de um descontraído «pah, tenho fé nisso!», utilizamo-lo sempre inerente a um isso bom. Este último critério é muito discutível, não constando em nenhum dicionário, mas é o que tenho vindo a verificar.

Ora, o meu Amigo tem fé. Muita e acertada, na minha opinião. Já eu, embora não possa dizer que não tenha, sou mais... Pobre. (?)
Para começar, os objectos da minha fé são em muito menor quantidade; eu não creio em Deus, não creio numa força superior, não creio num destino, não creio na anarquia, não creio num mundo livre de guerra e fome, e, na maior parte das vezes, não creio nas qualidades das pessoas. Por outro lado, creio nos valores cristãos e na sua capacidade de tornar o mundo num local melhor, creio na existência do Amor e da Amizade, e creio que sou alvo destes sentimentos e que os consigo retribuir.
Para terminar, os objectos aos quais dediquei a minha fé vieram a revelar-se pouco ou nada dela merecedores, desapontando-me com provas sucessivas que ilustravam claramente a minha má pseudo-escolha, destruindo assim a fé que lhes tinha, ainda que a custo e após uns longos anos de ilusão - especialmente no que toca a ACREDITAR em determinadas pessoas -, resultantes da perseverança irracional da minha convicção (se assim não fosse, poder-se-ia chamar ?). Então, pelas fracas quantidade e qualidade, classifico-me uma pessoa Pobre em Fé.

E tenho pena. É tão mais fácil, tão mais leve, ter fé.
Reflectindo agora acerca do caso inicialmente relatado, os pais da falecida criança devem estar a passar por um dos PIORES momentos das suas vidas e por uma verdadeira Prova de Fé; vejamos, o menino estava à espera de entrar para a catequese, em frente à igreja! É de uma ironia terrível e, com certeza, provocará na família da criança uma dor e uma dúvida exulcerantes! Agora, atente-se: se a família em causa conseguir colmatar esta dúvida com um forte "sim, eu ainda acredito" talvez encontre algum conforto, talvez consiga interiorizar que a tragédia teve uma razão, um motivo maior, que era esse o destino, embora cruel, do jovem rapaz. Daí a leveza. E daí eu não ter fé em Deus, nem numa qualquer alternativa força superior.
Eu nunca, mas nunca, conseguirei conceber que a morte de qualquer ser humano está planeada, com data e hora marcadas, desde o seu nascimento; nem tão pouco que essa morte, e todo o sofrimento que lhe é subsequente, se encontra ao serviço de uma causa maior, de um bem comum. A morte de uma criança é uma tragédia que a meu ver não pode ser apaziguada de nenhuma outra maneira a não ser com o tempo e muita terapia. Um ramo de uma árvore partiu e matou uma criança. Ninguém tem culpa. A criança estava no sítio errado, à hora errada. Mas não é pela imponência que sinto que irei atribuir esta perda a uma misteriosa força omnisciente. Foi o mau tempo. Foi a merda do mau tempo.
Se fosse o meu filho eu ir-me-ia sentir culpada; afirmaria repetidamente que não o devia ter deixado jogar futebol com aquele tempo; e teria que ouvir todos os dias frases como: "a culpa não foi tua", "era impossível preveres o sucedido", e, mais cedo ou mais tarde, chegar-me-iam aos ouvidos comentários como "coitadinho, estava na hora dele". E a única coisa que eu sentiria pela pessoa que eventualmente proferiria esse tipo de comentários seria uma raiva e um desprezo acentuados.
Porque aos 10 anos, enquanto se joga à bola, não é a hora de ninguém.