Saturday, August 17, 2013

Palavras

Gregorius nunca mais iria esquecer essa cena. Eram as suas primeiras palavras portuguesas no mundo real e tinham causado efeito. O facto de as palavras desencadearem algo nos outros, de poderem pôr alguém em movimento ou de travar esse impulso, de fazerem com que uma pessoa pudesse rir ou chorar, sempre lhe parecera estranho. Desde criança. E no fundo isso nunca deixara de o impressionar. Como é que elas conseguiam isso? Não era como a magia? Mas nesse momento o mistério parecia-lhe ainda maior do que habitualmente, pois tratava-se de palavras das quais ele na manhã do dia anterior ainda não fazia a mínima ideia. Quando pôs o pé na plataforma da gare de Irún todo o seu medo tinha desaparecido, e caminhou com passos seguros em direcção à carruagem-cama.

Pascal Mercier, Comboio Nocturno para Lisboa

O poder da palavra, as consequências de cada frase proferida, de cada conversa que compõe o percurso ininterrupto de cada conjunto de seres humanos, interligados para sempre, por sílabas, ditongos, expressões e interpretações, mais ou menos conseguidas.
O receio de dizer de mais, de não dizer exactamente o que se quer, de ser mal compreendido, dos significados distorcidos... O ainda maior receio de dizer precisamente o que se quer e de ser prefeitamente compreendido. No fundo, o medo de te perder, por ter coragem de chover.