Tuesday, August 18, 2009

Co-sentimento

"Em todas as línguas derivadas do latim, a palavra compaixão forma-se com o prefixo «com» e a raiz «passio» que, na sua origem, significa sofrimento. Noutras línguas, como, por exemplo, em checo, em polaco, em alemão, em sueco, a palavra traduz-se por um substantivo formado por um prefixo equivalente seguido da palavra «sentimento» (em checo: sou-cit; em polaco: wspol-czucie; em alemão: mit-gefuhl; em sueco: med-kansla).
Nas línguas derivadas do latim, a palavra compaixão significa que ninguém pode ficar indiferente ao sofrimento de outrem; ou, de outra maneira: sente-se sempre simpatia por quem sofre. Outra palavra que tem mais ou menos o mesmo sentido, e que é piedade (em inglês pity, em italiano pietà, etc.), chega até a sugerir uma espécie de indulgência para com o ser que sofre. Ter piedade de uma mulher é sermos mais favorecidos do que ela, é inclinarmo-nos, baixarmo-nos até ela.
Por isso é que a palavra compaixão inspira geralmente uma certa desconfiança; designa um sentimento considerado como de segunda ordem e que não tem grande coisa a ver com o amor. Amar alguém por compaixão é de facto não amar essa pessoa.
Nas línguas em que a palavra compaixão não se forma com a raiz «passio = sofrimento» mas com o substantivo «sentimento», a palavra é empregue mais ou menos no mesmo sentido, mas dificilmente se pode dizer que designa um sentimento mau ou medíocre. A força secreta da sua etimologia banha a palavra de uma outra luz e dá-lhe um sentido mais lato: ter compaixão (co-sentimento) é poder viver com o outro não só a sua infelicidade mas sentir também todos os seus outros sentimentos: alegria, angústia, felicidade, dor. Esta compaixão (no sentido de soucit, wspolczucie, mitgefuhl, medkansla) designa, portanto, a mais alta capacidade de imaginação afectiva, ou seja, a arte da telepatia das emoções. Na hierarquia dos sentimentos, é o sentimento supremo."

Milan Kundera in A insustentável leveza do ser



Grande fardo esta compaixão checa, tão pouco latina.
Grande peso, responsabilidade, nervoso miúdo...amiúde graúdo.
Grande experiência.
Grande vivência.
Grande a vida de quem a sente.

Guardem esse sentimento dilacerante. Mantenham-no. Riam-no e sofram-no. Alimentem-no com carinho e lágrimas.
Sobreponham Kundera a Ricardo Reis.



Ámen

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