Sunday, October 04, 2009

Porque sim.

"Ninguém pode dar-lhe conselhos ou ajudá-lo, ninguém. Há um único meio. Entre dentro de si. Procure o motivo que o faz escrever; examine se ele tem raízes até ao lugar mais fundo do seu coração, confesse a si mesmo se viria a morrer no caso de escrever lhe ser vedado. Isto antes de mais nada: pergunte-se na hora mais calada da sua noite: tenho de escrever? Escave em si mesmo em busca de uma resposta profunda. E se esta soar afirmativamente, se o senhor tiver de enfrentar esta questão séria com um forte e simples: sim, tenho, então construa a sua vida em função dessa necessidade; a sua vida terá de ser um sinal e um testemunho desse impulso até nas horas mais indiferentes e insignificantes."

Rilke, Rainer Maria, Cartas a um jovem poeta, Porto, Edições Asa, 2002 (p.24)



Perguntar a alguém o porquê de escrever é completamente descabido. A única resposta possível será um grande, redondo e redundante PORQUE SIM.
Se o escritor inquirido responder que é libertador, que o papel é um amigo com o qual é fácil desabafar; ou ainda não se apercebeu da dura (?) realidade, ou está simplesmente a ser piedoso. Claro que pode também ter vergonha. Vergonha de ser um viciado. Sim, a escrita é, no seu âmago, uma droga. Falo daquela escrita vomitada, arrancada da alma, resultante do impulso incontrolável de agarrar na caneta ou de martelar o teclado, que consome o escritor até às vísceras da sua efemeridade e até às profundezas da sua almejada eternidade.

Pode não ser a melhor altura, nem o melhor lugar, mas quando corpo e alma são percorridos pelo choque doloroso de suor e raiva, indicador de ressaca, nasce, cresce e explode dentro do dependente um grito desesperado que o desprove de todos os seus sentidos e o paralisa: TENHO QUE ESCREVER.

Então, nem que seja com um lápis do IKEA, sobre um guardanapo do café...ele escreve.

No fim, respira fundo, relaxa, e curte a moca.

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