Friday, April 06, 2012

Carpe diem

"Lulu, o que é pensar?
Pensar é o que a minha cabeça me diz em silêncio."

A sabedoria de quem há pouco tempo consegue andar equilibrado sobre as duas pernas nunca deixa de me surpreender. A simplicidade. Acho que pensar já foi para mim, em tempos, silencioso. Neste momento, é uma gritaria absoluta. Partes de um eu estupidamente, incontroladamente, fragmentado discutem em histeria completa e escrevem a ritmos diferentes capítulos distintos de uma vida que deveria ser minha. Num enredo dissimulado, porções de mim adulteram-se mutuamente, pervertendo objectivos, forçando o encerramento de caminhos que ainda agora se ergueram.
É-me difícil ignorar assuntos que ficam por esclarecer, é-me extremamente difícil acabar capítulos sem retirar qualquer conclusão. A falta de plenitude corrói-me por dentro. Não gosto disto.
Não gosto, porque parece que não posso viver, experimentar, aproveitar por circunstâncias alheias que me são impostas por um código moral com o qual não concordo, mas que tenho medo de desobedecer. O mundo em que vivo moldou-me de um modo assustador, impingiu-me concepções do certo e do errado com as quais não consigo lutar. Ainda que me julgue exímia a fazer o que quero em detrimento do que devo em situações-chave isoladas no tempo, não deixo de ser tocada pela culpa, mesmo que quando analisada a situação, tal sentimento não seja aplicável racionalmente. E mais, tenho plena consciência de que é precisamente este sentimento, tão típico e lusitano, que me leva a estagnar os tais capítulos antagónicos da minha vida. Se tivesse nascido num país verdadeiramente laico, provavelmente até era capaz de continuar a escrever alegremente ambos em simultâneo, sem qualquer tipo de conflito interior!


Nos entretantos, surgem sentimentos parvos e incomodativos que tento, mais uma vez, enterrar debaixo de todos os outros... Porque não me sentia tão exposta, por simples palavras embriagadas, há muito, muito tempo, e porque é frustrante que existam elogios que nos perturbem tanto.

4 comments:

Anonymous said...

Enganas-te. O que é tipicamente lusitano não é o sentimento de culpa, porque esse é saudável e sem ele entrar-se-ia numa espiral anárquica e hedonista de prazeres superficiais, que receio ser o que procuras. O que é lusitano, infelizmente, é culpar o teu país por algo que é teu de mudar.

Penélope Almeida said...

Não tenho como contestar. É capaz de ser muito verdade. Mas ainda ainda assim, permite-me dizer q o intuito não é culpar o país, nem tão pouco o ambiente que me rodeia. O intuito é exprimir o quão aborrecida estou por ser influenciada por esse tal ambiente.

Parece-me também que, como muitos outros, interpretas tudo o que escrevo muito prontamente, trazes tudo para a realidade num piscar de olhos. No entanto, quando escrevo, é raro pensar nessas realidades palpáveis.

A escolha do anonimato também é algo que me perturba...

Anonymous said...

Em relação ao anonimato, a razão é simples ao ponto de se cingir ao facto de eu não ter conta no Blogger, peço desculpa se te perturba, não é minha intenção.

Um conselho/aviso/opinião/etc: quando escreves, é inevitável que quem lê transporte o teu texto para a esfera do palpável, porque só assim se pode gerar uma discussão saudável.
Voltando à discussão em si, a inconformação e a consciência da tua eventual passividade face a esse ambiente é o primeiro passo e o mais difícil, e já o deste :)
E já agora, reli o meu post e soou em demasia a uma crítica/acusação (talvez pelo uso errado do verbo "recear") e não era de todo essa a minha intenção, até porque me identifico até certo ponto com o que escreveste. :)

Ricardo said...

Antes de comentar o texto, vou comentar um comentário que tive curiosidade de ler.
"quando escreves, é inevitável que quem lê transporte o teu texto para a esfera do palpável, porque só assim se pode gerar uma discussão saudável" Discordo completamente desta frase, a ponto de quase a considerar absurda. O palpável, de tão palpável, é muito pouco discutível. As boas discussões são trocas de ideias, e as ideias não são palpáveis.

Quanto ao texto, mais uma vez identifiquei-me imenso com o que escreveste. Não sei se pelos mesmos motivos "palpáveis" pelos quais o escreveste ou não, mas de que importa isso? O sentimento é o mesmo!
O não poder viver plenamente, pelos limites que nos são impostos e que contrariam a nossa própria natureza, demasiado agarrados às regras (muitas das quais percebemos estúpidas pela razão), e ao mesmo tempo tão longe de NÓS! Isto é, o que NÓS somos não é que está errado. Pelo contrário. Sabemos até que faz todo o sentido! O erro está precisamente nas regras do país que se diz "laico" em que vivemos e nas expectativas que se criam em torno de nós, sem antes se saber se lhes havemos de poder corresponder...

E destaco "Ainda que me julgue exímia a fazer o que quero em detrimento do que devo em situações-chave isoladas no tempo (...)", elas são apenas situações-chave isoladas no tempo. Não correspondem ao tempo todo e aí está a razão para o "conflito interior".

Espero ter-me feito entender :)